Quando se sentir envergonhada, com medo de ser ridicularizada ou muito dramática, não se leve tão a sério. Perceba que a vida é muito maior e merece uma atitude mais leve diante das oscilações de praxe.
Uzume é a Deusa do riso, da alegria, da dança e da folia. Desinibida e plena de entusiasmo, ela contagia todos ao seu redor
Uzume Riso que cura tradição japonesa/xintoísta Seu mito Os deuses celestiais xintoístas Izanagi e Izanami – criadores do arquipélago japonês, de todos os deuses e de todos os seres vivos da Terra – tinham dois filhos: Amaterasu, a Deusa do Sol, e Susanoo, o Deus do Oceano e das Tempestades. Amaterasu também era conhecida como a Celeste Iluminada ou A Grande Mulher Que Possui O Meio-Dia. Ela vivia na Planície do Alto Céu, de onde saía todos os dias de manhã para iluminar a Terra. Era sua guardiã e também dos campos de arroz. Presidia ainda a tecelagem feminina, que acontecia na sala de tecelagem do Céu.
Já seu irmão caçula, Susanoo, era conhecido como o Varão Impetuoso, por ser irascível, cruel e destruidor. Devido a esse mau temperamento e a suas constantes más ações, Izanagi e Izanami, zangados com o filho, resolveram enviá-lo para a Terra de Yomi, a região dos mortos. Susanoo aparentemente aceitou o exílio, mas antes pediu aos pais autorização para visitar a irmã mais velha. O pedido foi concedido. Amaterasu ficou muito desconfiada das intenções do irmão, mas resolveu recebê-lo. Ela tinha no Céu um grande número de excelentes campos de arroz, dos quais se sentia muito orgulhosa, juntamente com sua manada de potros malhados. Apesar de dizer que só queria se despedir da irmã e que tinha se regenerado, ao chegar ao Céu, Susanoo teve um acesso de fúria e destruiu todos os campos de arroz. Não satisfeito, matou um potro celestial e jogou o seu cadáver sobre os teares das sacerdotisas tecelãs. Assustadas, elas saíram correndo em disparada e acabaram se atropelando. Uma delas morreu, perfurada por sua própria lançadeira. Extremamente ressentida e zangada, Amaterasu decidiu abandonar o Reino do Céu. Juntou suas vestes resplandecentes, escondeu-se em uma caverna profunda, lacrou sua entrada com uma rocha muito pesada e passou a viver em total reclusão. Com isso, privou o mundo de seu calor e de sua luz. A escuridão imperou. A alternância entre o dia e a noite passou a não existir mais e o mundo só conhecia as trevas. Tudo congelou e os campos murcharam. O pânico foi semeado desde a Terra até o Céu, onde viviam os Deuses e Deusas que, como os humanos, também não enxergavam mais nada. Oitocentas divindades se juntaram à beira da caverna para tentar convencer Amaterasu a sair de lá, mas foi em vão, nada conseguiram! Ela parecia totalmente surda a qualquer apelo. Foi então que surgiu Uzume, a Deusa do Riso, da Alegria, da Dança e da Folia. Ela pegou um barril, virou-o de ponta-cabeça, subiu nele e começou a dançar de maneira provocante. O ritmo foi aumentando conforme seus pés tamborilavam e ela ainda resolveu colocar os seios para fora. Também começou a contar piadas e a fazer caretas e, de repente, sem que ninguém esperasse, levantou o quimono e mostrou sua vulva. Naquele momento as oitocentas divindades caíram em sonora gargalhada e passaram a bater palmas, a rir e a gritar. Fizeram tamanha algazarra que Amaterasu, curiosa, resolveu puxar um pouco a rocha que fechava a caverna, entreabrindo seu esconderijo para espiar de onde vinha todo aquele alarido. Viu então sua luz refletida em um grande espelho que os deuses haviam colocado em frente à entrada da caverna. Encantada com o próprio reflexo, foi lentamente saindo do esconderijo. Daí, vários deuses saltaram e empurraram a rocha com muita força para fechar definitivamente a entrada da caverna, evitando que ela voltasse a se esconder. A luz e o calor de Amaterasu, a Deusa do Sol, voltaram à Terra, o padrão de dia e noite retornou e a terra tornou-se fértil de novo. Uzume, com sua alegria, seu riso, sua irreverência e sua folia, ajudou a salvar a humanidade! O mito de retorno da luz e da vida ao mundo era celebrado anualmente no Japão, em um rito xintoísta no qual a kagura (dança) de Uzume que provocava boas risadas era realizada nos templos.
O que Uzume pode nos ensinar
Uzume pode ser o antídoto perfeito para duas atitudes emocionais que, se duradouras, são das mais nefastas, pois tornam a vida um sofrimento eterno: a amargura e a pena de si mesma. As duas costumam “caminhar juntas”! E, pior, elas são autofágicas, se alimentam de si mesma, ou seja, quanto mais amargura e/ou pena de nós sentimos mais amargura e/ou pena de nós vamos sentir. Obviamente as duas atitudes acometem tanto mulheres como homens, mas são muito mais comuns em mulheres. Ao que parece, isso acontece devido à frustração da mulher diante da falta de liberdade que sempre marcou sua trajetória. Não é nada incomum termos mães com essas características e muitas vezes fica difícil não entrar nessa também. Pensando de forma metafórica, quem não enfrentou um, uma ou vários Susanoo, que pisam, destroem, estragam coisas que nos são caras? Perdas, decepções e frustrações fazem parte da vida de todas, não existe vida em que não acontecem coisas ruins, tristes, às vezes até trágicas. Todas passamos, em algum momento, por tempos de profunda tristeza, em que precisamos nos recolher para curar nossas feridas. Eles são inevitáveis e devem ser vividos para que o acontecimento seja “digerido” , para que a gente aprenda o que tiver de aprender – tudo na vida ensina, se quisermos – e amadureça. O grande problema é escolher não sair disso, fazer como Amaterasu e se trancar por dentro em uma caverna, a da amargura e/ou da pena de si mesma. Com isso, tudo à nossa volta perde a luz e o calor. Nessa escuridão, tendemos a não ver nada além da própria escuridão: não vemos os outros, não vemos a vida que está passando e o mundo fica “girando ao redor do nosso umbigo cheio de dor”. Nesse momento precisamos da nossa Uzume interna, para que ela nos leve a sair desse “buraco” escuro em que entramos e nos faça olhar para fora, ter uma nova perspectiva. Não é fácil, é preciso coragem, porque no fim das contas existe um conforto em sermos amargas ou vítimas. Essas atitudes justificam para os outros e, acima de tudo, para nós mesmas a nossa inação. Primeiro é preciso admitir que fomos nós que nos pusemos nessa caverna e que só nós podemos sair dela. Temos que aceitar que nosso controle sobre a nossa vida é limitado e que a vida não está contra nós ou a nosso favor, não somos suas vítimas. É somente a vida, e as coisas acontecem sem que o que pensamos ou queremos seja levado em conta. Cabe a nós responder aquilo que ela nos traz, e nisso podemos escolher ser felizes ou infelizes. Se escolhermos a via da amargura ou da pena de nós mesmas, tudo o que acontecer vai cair nesse buraco e teremos esse olhar pessimista para seja lá o que for. Se, ao contrário, escolhermos a via do riso, da irreverência, do bom humor, como Uzume, isso não nos livrará da tristeza, mas não a habitaremos em definitivo. A postura de buscar a alegria de viver – o que não significa nos tornarmos donas de óculos cor-de-rosa eternos, que só nos fazem ingênuas e tolas – pode ser um dos agentes mais transformadores e curativos que existem, além de ter um componente contagiante tão ou mais forte que a amargura e o pessimismo. Assim como podemos trazer ao nosso redor escuridão e frio, podemos trazer luz e calor. Saber rir de nós mesmas, sem ter vergonha, sem nos sentirmos diminuídas e mantendo a autoestima, é um dos grandes sinais de maturidade emocional. É não se levar tão a sério, enxergar e aceitar a vida, mesmo quando difícil, com mais serenidade. É saber que somos poeira de estrelas quando pensamos em nosso tamanho diante do universo e nos sabemos poeira; e que somos estrelas, quando reconhecemos a nossa importância como indivíduos.
Esta Deusa acima me encantou e resolvi compartilhar com vocês. Vamos rir e sermos alegres sempre.
Namastê!
Gostou do artigo? Achou-o curioso? Dê um curtir para ele!